Caminho da roça pt. 1
- 5 de jun. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 12 de jun. de 2021
Olá, tudo bem? Sejam muito bem-vindos ao As paredes têm ouvidos. Meu nome é Ana Rita, mas vocês podem me chamar de Ana e este é o meu podcast, um espaço onde nós sabemos que sempre teremos com quem conversar.
Bom dia, boa tarde, boa noite, meus ouvintes chegados, meus ouvintes companheiros. Ocês ‘tão bão? Tô falando diferente porque, o episódio de hoje é sobre a roça, a vida no campo, o Brasil que fala cantado, manso e contraído. Esse mês, junho, é o mês que eu mais gosto, porque está friozinho e tem festa junina! Devido à pandemia, não tivemos festa junina no ano passado, em 2020, e não teremos esse ano, 2021. Saúde em primeiro lugar, né, pessoal?
Mas isso não me impede de sentir muita saudade das festas juninas. A melhor parte, pra mim, é a comida. Eu amo comida de festa junina! Muitos brasileiros concordam comigo que festa junina é melhor que carnaval. Eu prefiro a festa junina porque, amo comer e não sou muito fã da folia carnavalesca. Eu sou jovem ainda, mas meu corpo já tem uns 85 anos, eu não tenho energia pro carnaval. Vou mostrar então, o porquê de eu amar tanto a festa junina.
Começando pela origem da festa. Ela foi trazida ao Brasil pelos portugueses no século XVI (dezesseis). Lá na península ibérica, em junho, era comemorada a passagem da primavera para o verão e as festas eram feitas para afastar espíritos maus, para proteger as colheitas. Quando o cristianismo cresceu mais dentro da Europa ele começou a aderir, a juntar essas festas de origem pagã com as suas próprias tradições. Então, as festas pelo começo do verão eram de religiões pagãs e passaram a ser também cristãs. Foi um jeito que o cristianismo achou de se enturmar, de ficar popular. Aqui no Brasil, é claro, a comemoração do início do verão passou a ser a comemoração do inverno.
Agora que o cristianismo adotou as festividades de verão como parte da tradição Cristã, ele também adicionou o seu próprio toque pessoal, os dias de santos. Foi assim que as pessoas começaram a comemorar mais os dias de três santos específicos no mês de junho. São eles Santo Antônio, São Pedro e São João.
Começando por Santo Antônio, também conhecido como Santo Antônio de Pádua. O dia dele é 13 de junho, o dia em que ele morreu, trágico. Foi em Pádua, na Itália. Santo Antônio tem fama de casamenteiro, matchmaker, apesar de não ter nada sobre casamentos nos sermões, nas falas dele que foram registradas por escrito. O que trouxe essa fama de casamenteiro pro Santo Antônio foi a ajuda que ele dava para moças humildes, moças pobres, conseguirem um dote e um enxoval, respectively a dowry and a bride's trousseau. Hoje em dia as pessoas fazem simpatias, que são pequenos rituais como um spell ou um charm, só que bem de leve, nada muito sério.
Essas simpatias para Santo Antônio podem ser consideradas um tipo de chantagem, blackmailing, para o santo. Vou explicar: as moças, principalmente, colocam a imagem, the statuette, of Santo Antônio de castigo. A estatueta do Santo Antônio, geralmente, está segurando um menino Jesus, um bebê Jesus, no colo, aí para fazer a simpatia, a moça que quer se casar tira esse bebê Jesus do colo do Santo Antônio e diz pro santo que só vai devolver quando ela estiver casada. Ou seja, ela coloca o santo de castigo até que ele ajude ela a se casar. Meio maluca essa ideia.
Depois de Santo Antônio, nós temos São João Batista, ou apenas São João, no dia 24 de junho. Essa data também foi adaptada pelo cristianismo, pois, antes de ser dia de São João, era um dia de comemoração da passagem da primavera para o verão, comemoração dos deuses da natureza. O dia 24 de junho era o dia específico de culto a Adônis, e o objetivo era celebrar a renovação da natureza. Adônis também era associado a uma fogueira, símbolo que permaneceu na tradição cristã e começou a ser associado ao São João. No dia 23 de junho as pessoas fazem uma fogueira e acendem ela quando já é quase meia noite, para comemorar a chegada do dia 24, de São João Batista e da renovação. Na região nordeste do Brasil, as fogueiras são bem mais exuberantes, maiores do que na região sudeste, que é onde eu moro.
Na bíblia, a mãe de São João, Isabel, acendeu uma fogueira para avisar Maria, mãe de Jesus e prima de Isabel, que João Batista nasceu. Ou seja, o fogo representa o nascimento, a chegada de algo novo.
São Pedro, o terceiro santo comemorado durante o mês de junho. O dia dele é o dia 29 de junho, que de acordo com a tradição pagã era o dia em que Rômulo e Remo, os míticos fundadores de Roma, eram cultuados. Ou seja, dia 29 de junho era dia de Rômulo e Remo, antes de ser dia de São Pedro. Essa foi mais uma adaptação do Cristianismo com o objetivo de se popularizar. Esse dia também é dia de São Paulo, só que ele não é tão mencionado nas comemorações como São Pedro. O fato de ser um dia de dois santos também é por causa da tradição pagã, era dia de Rômulo e Remo, passou a ser dia de São Paulo e São Pedro.
São Pedro é considerado o guardião da chave do paraíso. Quando eu era criança, minha mãe e meus avós me falavam disso, que São Pedro guardava a chave do céu, e eu sempre imaginava ele como um porteiro. Porteiro em inglês pode ser gatekeeper, que é a função do São Pedro, como pode ser concierge que é o que eu imaginava. Na minha cabeça de criança, São Pedro ficava na recepção, front desk, do paraíso, de terno, recebendo as pessoas como se fosse um hotel. Eu era uma criança meio peculiar.
Outra coisa que me diziam quando eu era pequena é que nos dias de chuva forte, com trovões, etc. caía muita água do céu e fazia todo aquele barulho de trovão porque, São Pedro estaria fazendo faxina no paraíso. E eu, é claro, imaginava um velhinho de túnica, com um balde e um esfregão, pedindo ajuda para os outros santos, para arrastar os móveis, assim ele poderia fazer a faxina direito.
Outro elemento típico das festas juninas é a quadrilha. A quadrilha é um tipo de dança que teve origem na França, onde era chamada de “quadrille”, entre os séculos XVIII (dezoito) e XIX (dezenove). O nome “quadrille” ou, em português, “quadrilha” é por causa do jeito que é executada essa dança, a jeito de se dançar. São dois pares dançando juntos, ou seja, quatro pessoas, quadrilha, quatro, percebem a semelhança?
Antes de chegar no Brasil, a quadrilha já era uma salada, uma mistura de várias outras danças européias, incluindo a contradança, ou contradance. Aí no século XIX (dezenove) quando ela chegou aqui no Brasil, a mistura ficou ainda maior, porque ela começou a receber influências locais o que levou a quadrilha a acabar se tornando o baile inteiro. Em outras palavras, uma única dança durava o baile todo, a festa toda. Ela recebeu também uma sequência de comandos e eu vou citar aqui um artigo da Folha de São Paulo, que é um jornal daqui do Brasil… Daqui de São Paulo:
Abre aspas.
“Homens e mulheres entram abraçados em fila, seguindo os comandos do marcante e do contramarcante. Fazem o "balancê" ("balancer"), depois se cumprimentam "vis-a-vis" ("vis-à-vis", ou seja, "cara a cara"), e "anavan" ("en avant", "para a frente"). Depois recuam ("anarriê" vem de "en arrière" que significa "para trás").
De volta a seus lugares, fazem mais um balancê com seus pares seguido de um "tur" ("tour", que significa "volta"). Ouve-se então "otrefoá!" ("autrefois" siginica "mais uma vez"). Daí tem mais balancê e viravortê, e o homem passa a mulher para o homem de trás, até que todos encontrem seus pares novamente.”
Fecha aspas.
O “balancê” é o movimento das saias da moças, elas têm que chacoalhar as saias para criar um efeito visual bonito de alegria e animação, principalmente com todas as cores vivas e lindas dos vestidos.
Meu sonho quando eu era criança era dançar uma quadrilha da escola. A quadrilha se modificou muito com o tempo, sabe? Acabou deixando de ser uma dança para dois casais por grupo e virou uma grande dança em conjunto. Eu vou colocar na descrição do episódio os links das quadrilhas sudestina e nordestina, elas são diferentes. A sudestina, ou do sudeste, é a que eu sonhava em dançar, mas é que eu não conhecia a do nordeste. O Brasil é muito grande e eu era muito pequena.
Hoje em dia, o acompanhamento musical da dança quadrilha é o forró, lembram que eu falei um pouquinho sobre forró no episódio sobre pisadinha? Bem, além do forró, aqui no sudeste se popularizou entre os adolescentes, pelo menos na minha época era assim, a quadrilha moderna, onde nós dançamos a quadrilha tradicional mas com alguns mash ups, em outras palavras, no meio da dança da quadrilha são tocadas outras músicas e nós fazemos alguns passos diferentes. Vou deixar um link para essa versão na descrição também.
Bom, eu disse que era meu sonho dançar a tal quadrilha porque, na festa junina da escola não tem só a quadrilha. Nós fazemos outras apresentações de dança que costumam ser ao som de, com músicas de forró ou sertanejo. Por causa dessas apresentações de outras danças, a minha sala, my class, nunca foi chamada para a quadrilha, então eu sempre fiz as outras apresentações. Para não dizer que nunca dancei a quadrilha, eu dancei uma vez com outra sala ainda na escolinha e depois, quando tinha catorze anos e estava na oitava série, dancei também. Mas foram as únicas vezes.
Por falar em música sertaneja, eu quero falar um pouco sobre as roupas de festa junina. Além dos vestidos coloridos sobre os quais eu comentei um pouquinho hoje e vou falar mais no próximo episódio, nós começamos a nos vestir com roupas mais parecidas com as de cowboys e cowgirls, respectivamente, vaqueiros e vaqueiras, dos Estados Unidos, com calças ou saias jeans e camisas xadrez, além das botas e chapéus. É a globalização, né? Isso é que torna a vida mais interessante, as mudanças. E bom, junto com as mudanças de roupas, tivemos a mudança de músicas.
O sertanejo não foi sempre música de festa junina. É que por causa da associação da festa junina à vida caipira, a vida no campo, e o sertanejo é um estilo musical muito popular entre os moradores e trabalhadores do campo, então ele passou a fazer parte do repertório das festas juninas, e olha… Foi muito bom isso ter acontecido, porque eu gosto muito de música sertaneja, principalmente a que nós chamamos de sertanejo raiz. É que existe o sertanejo universitário, mas isso é assunto pra outro episódio.
No episódio que vem eu vou falar mais sobre o motivo da festa junina ser tão associada aos caipiras, vou falar também sobre a quadrilha com um pouco mais de detalhes, sobre as roupas e é claro, sobre a culinária típica.
Então é isso, pessoal. Esse foi o nosso episódio de hoje de As paredes têm ouvidos. Me sigam nas redes sociais, @ParedesPodcast e não se esqueçam de visitar o site do podcast para acessar as transcrições dos episódios e para se inscrever para poder acessar os fóruns de discussão. Todos os links estão na descrição. Tenham uma ótima semana, um grande beijo e tchau-tchau.
Links citados no episódio:
Quadrilha nordestina - https://www.youtube.com/watch?v=0-tTQM0vmK4
Quadrilha sudestina - https://www.youtube.com/watch?v=bcP8pnHWwGE
Quadrilha moderna (maluca) - https://www.youtube.com/watch?v=N1kWcbXYdCU




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