Caminho da roça pt. 2
- 12 de jun. de 2021
- 8 min de leitura
Olá, tudo bem? Sejam muito bem-vindos ao As paredes têm ouvidos. Meu nome é Ana Rita, mas vocês podem me chamar de Ana e este é o meu podcast, um espaço onde nós sabemos que sempre teremos com quem conversar.
Bão dia, boa tarde, boa noite, meus queridos ouvintes, meus chegados! Como é que vai a vida? Tá boa? Espero que sim. Bom, hoje eu vou dar continuidade ao episódio da semana passada, como eu tinha prometido. Vou falar sobre os caipiras e a festa junina. Eu falei sobre os motivos e alguns rituais, hoje eu vou falar sobre a festa em si, o grande dia que tanto me faz falta.
Começamos pelos chamados caipiras.
Aqui no Brasil a palavra caipira é mais ou menos o equivalente ao inglês “hillbilly” ou “redneck”. Mas, a impressão que eu tenho é que essas palavras do inglês são um pouco pejorativas, elas têm um peso ruim, quase como se fosse uma ofensa chamar alguém de hillbilly. Então, eu vou pedir uma ajudinha de vocês, me contem qual é a palavra mais apropriada pra chamar alguém que vem do campo. Por favorzinho!
Bem, caipira aqui pode até ser usado como ofensa, mas eu prefiro pensar que é mais tranquilo, não é tão ofensivo. O fato é que eu amo a roça. Aprendi a amar com meu pai e parece que ele me ensinou direitinho, porque eu amo mesmo. E no episódio de hoje, os caipiras são as personagens principais, porque, a festa junina é toda deles.
A roupas, por exemplo. Chega o dia de ir pra festa junina, começa aquele festival de cores e estampas floridas e extravagantes. Eu comentei no episódio passado que as mulheres usam vestidos bem coloridos que são balançados para criar um efeito bem bonito na dança. Eles costumam ter muitos babados e frufrus, ruffles. Tem também o importantíssimo chapéu de palha. Agora, os homens usam calças jeans e camisas xadrez remendadas. Mas, por que remendadas? Bom, são trabalhadores da roça, eles trabalham em hortas e pomares, ou então cuidando do gado e de outros animais das fazendas. É um trabalho muito pesado, cansativo e onde não dá pra usar qualquer roupa, tem que ser roupa resistente, que não estraga facilmente.
O pessoal da roça sempre foi muito humilde então, quando começou a tradição da festa junina como a gente conhece hoje, os moradores e trabalhadores da roça não conseguiam ter um montão de roupas, então eles tinham que remendar as roupas o máximo que dava, até que não dava mais e aí eles precisavam comprar tecido e fazer uma nova. Quase toda mulher costurava naquela época, então elas faziam e remendavam as roupas. Por isso, hoje em dia, nas festas juninas, os meninos colocam remendos falsos nas roupas, para fingir que é caipira do início do século XX (vinte).
Aliás, eu tenho uma pequena correção a fazer. Eu falei no episódio anterior que o “balancê” tinha a ver, estava relacionado ao balanço das saias das moças, porém, ele tem a ver com o balançar dos casais que estão dançando. Quando o Marcante, ou a pessoa que dá os comandos que eu falei como balancê e anarriê, fala “balancê” ele, ou ela, está querendo que os casais que estão dançando dancem com mais ânimo. É como uma valsa, só que mais rápida.
Além de ser a dança típica das festas juninas, a quadrilha também tem um significado muito especial que é a encenação de um casamento da roça. Nós temos personagens importantes nessa história, como o padre, que reza o casamento, a noiva, o noivo e os convidados. Ou seja, todo aquele pessoal que apresenta a dança faz parte do casamento que tá sendo encenado.
Antes de começar a dança é apresentada uma pequena peça de teatro. A história é a seguinte: uma moça engravidou de um rapaz e o pai dela ficou muito bravo, porque a moça e o rapaz não são casados, e aí o pai resolveu fazer o tal do rapaz assumir a responsabilidade do que ele fez e casar com a moça. O sem-vergonha do rapaz, que está bêbado, não quer casar e tenta fugir de qualquer maneira, mas não consegue porque, o delegado da polícia aparece e força o safado a casar com a moça que ele engravidou. Essa parte a gente não faz nas quadrilhas de escola infantil, porque é um tema adulto demais. Adulto demais. Quando termina a cerimônia, chega a hora de ir para a festa e é aí que entra o caminho da roça.
O caminho da roça é o que nós encenamos na dança em si. É chamado de caminho da roça porque é o caminho que nós vamos ter que fazer para chegar até a festa com as comidas e bebidas para comemorar o casamento e parabenizar os noivos. Como é uma encenação, a presença do marcante se torna importantíssima, porque é ele que vai guiar a cena toda, com falas tipo “olha a chuva!” e depois “já passou”, e a cada comando dele, nós fazemos a coreografia correspondente. Para ficar mais fácil de entender, eu vou colocar na descrição desse episódio o link para um vídeo de quadrilha onde dá pra ouvir o marcante dando os comandos, vou colocar também o link para um blog que fez a lista das marcações, das instruções do marcante, na ordem certinha e com algumas descrições. O marcante do vídeo fala algumas coisas diferente do que está escrito no blog, mas dá igual, as duas versões seguem um padrão.
Com nossas roupinhas coloridas e remendadas nós seguimos o caminho da roça até chegar ao grande baile. Perto do fim da apresentação da quadrilha, o marcante anuncia “O grande baile”, depois disso tem mais duas ou três instruções e pronto! E aí, depois que se encerra a dança nós partimos para a melhor parte da festa que é a comida!
Comida de festa junina é sensacional, eu sou apaixonada. Tem muitas receitas feitas de milho e amendoim. Lembram que no episódio anterior eu comentei que a tradição da festa junina veio da Europa? Pois é, a comida também faz parte disso, com algumas diferenças. Em Portugal, como eu já comentei, era comemorado o verão e as colheitas dessa estação, e lá a colheita principal era a do trigo. O trigo é colhido entre os meses de junho e agosto. Mas, como as estações do ano são invertidas e aqui no Brasil a gente passa pelo inverno entre junho e agosto, nós tivemos que trocar de grão. Em vez de trigo, comemoramos a colheita do milho que passou a ser o alimento base da culinária típica de festa junina, temos uma variedade enorme de pratos feitos de milho. Junto com o milho nós também temos comidas feitas de amendoim, mandioca, côco, etc. Isso tudo além das bebidas típicas. Segue a listinha:
Paçoca - doce feito de amendoim, farinha de mandioca e açúcar. O nome vem da palavra tupi “po-çoc” que eu não sei pronunciar, mas acho que é assim.
Pé-de-moleque - doce de amendoim com rapadura. A rapadura é um tijolo, um bloco de açúcar, o gosto é parecido com o do açúcar mascavo, or brown sugar.
Cocada - feita à base de coco (como o próprio nome diz, cocada) é popular na américa latina e na Angola e tem algumas variações na receita, como o uso de leite condensado ou rapadura (a mesma rapadura do pé-de-moleque).
Maçã-do-amor - nossa, eu amo demais, mas ô docinho difícil de comer, eu sempre fico toda melecada da cobertura caramelizada e vermelha, imagine a bagunça. Bom, a maçã-do-amor é igual, igual mesmo, igual à candy apple ou toffee apples das festas de outono, dos festivais de outono.
Pamonha - uma massa à base de milho ralado, misturado com leite, ou leite de côco, sal ou açúcar e manteiga. É muito parecido com o tamal mexicano, acho que é mexicano, mas parece que existe em outros países da américa latina.
Canjica - também conhecida como mungunzá, é um doce de milho branco ou amarelo, cozido em leite de côco ou de vaca, com açúcar e canela em pó ou em pau. Eu conheço mais o de milho branco. E a gente pode colocar a canela é pó depois. Você prepara e aí cada um coloca a canela em pó de acordo com o próprio gosto.
Vinho quente - é como o mulled wine. Vinho tinto seco com especiarias como cravo da índia, canela em pau e anis estrelado, açúcar e rodelas de laranja, ou pedaços de maçã, abacaxi e uvas passas.
Quentão - o quentão é muito parecido com o vinho quente. A diferença é que em vez de vinho, usamos cachaça, mas as especiarias são basicamente as mesmas. Eu acho que no quentão a gente tem mais costume de pôr gengibre também, o que dá um gostinho ainda mais picante.
Tem muitas outras opções de comida, como pipoca, amendoim torrado, milho cozido e também batata doce. No caso da batata doce, nós assamos ela na fogueira. Pode ser embrulhada no papel alumínio ou não. É só colocar a batata doce perto das brasas e deixar assar. Fica uma delícia!
Por falar em fogueira…
Na parte um eu falei só um pouquinho sobre a fogueira, que era acendida para Adonis antigamente e que a igreja católica incorporou às próprias tradições e então acender uma fogueira virou parte do ritual para São João Batista. Como eu contei no episódio anterior, a fogueira foi um jeito que Isabel encontrou de avisar Maria do nascimento do filho dela, Isabel, o João Batista. Nas festas juninas, essa fogueira que acendemos para São João faz parte de mais uma pequena tradição, um ritualzinho que nós fazemos, que é o ato de pular a fogueira. Nós pulamos por cima da fogueira e um bom pulo corresponde a um bom ano. A fogueira representa as dificuldades, então se nós conseguimos pular por cima da fogueira, com sucesso, sem cair ou se machucar, isso quer dizer que vamos conseguir superar todas as dificuldades.
Outra tradição com fogo da festa junina é o balão. Hoje em dia, essa tradição está proibida por lei, porque, não conseguimos controlar onde o balão vai cair, então podem acontecer incêndios o que é muito perigoso, todo mundo sabe. Essa tradição também veio de Portugal, onde eram acendidos cinco balões para anunciar o início da festa. As pessoas também acendiam os balões para agradecer aos santos, Santo Antônio, São Pedro ou São João por alguma coisa que o santo ajudou a conseguir, como um casamento ou algo assim.
E por último, hoje eu vou falar um cadin, um pouquinho, sobre o correio elegante. Acho que o correio elegante é uma das coisas mais brasileiras da festa junina, porque, só um brasileiro pra ter cara de pau o suficiente pra mandar bilhetinho romântico. Vou explicar.
O correio elegante vem da época em que o flerte, a paquera, a arte da conquista, era algo mais tímido, mais recatado. Hoje em dia, quando gostamos de alguém, a gente vai e fala, às vezes demora, mas é bem mais ousado do que antigamente. O correio elegante é um correio específico para bilhetinhos românticos, com versos de poemas ou músicas, que nós enviamos durante a festa junina. A tradição que eu conheço é a seguinte: uma ou mais pessoas andam pela festa com uma cestinha, geralmente enfeitada com flores e babados, cheia de papéis em formato de coração, ou não, algumas canetas e às vezes alguns doces. As pessoas que estão na festa chamam o correio elegante (a pessoa com a cesta), escrevem um bilhete, um poema, um versinho qualquer e pedem para que o correio entregue para a pessoa amada. Exemplo, eu chamo o correio elegante, escrevo meu bilhetinho e peço pra entregar pra pessoa que eu gosto. Eu posso me identificar ou mandar o bilhete anônimo. Mas geralmente o pessoal se identifica, para mostrar que gostam da pessoa.
E este é o gancho para o próximo episódio. Hoje, dia doze de junho, que é quando eu tô gravando esse episódio, é comemorado o dia dos namorados aqui no Brasil e no episódio que vem eu vou falar um pouco sobre como é comemorada essa data por aqui.
Então é isso, pessoal. Esse foi o nosso episódio de hoje de As paredes têm ouvidos. Me sigam nas redes sociais, @ParedesPodcast e não se esqueçam de visitar o site do podcast para acessar as transcrições dos episódios e para se inscrever para poder acessar os fóruns de discussão. Todos os links estão na descrição. Tenham uma ótima semana, um grande beijo e tchau-tchau.
Quadrilha: https://www.youtube.com/watch?v=ozx_iQm2fUc
Marcação da quadrilha:




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