De Ipanema a Itapuã - A bossa nova
- 22 de mai. de 2021
- 9 min de leitura
Olá, tudo bem? Sejam muito bem-vindos ao As paredes têm ouvidos. Meu nome é Ana Rita, mas vocês podem me chamar de Ana e este é o meu podcast, um espaço onde nós sabemos que sempre teremos com quem conversar.
Hoje, meus amigos, vamos falar de um tema que dificilmente desagrada alguém. Um tema delicioso, de toque leve, cadenciado, que envolve a gente com muita delicadeza. O tema de hoje é a Bossa nova, esse ritmo tão gostoso de ouvir que mostra um lado do brasileiro menos bagunceiro, menos carnaval e mais calmo, mais romântico à moda antiga, old fashioned romance.
Me arrisco a dizer que não existe quem não goste, ou não conheça, pelo menos uma música de bossa nova, afinal, ela foi para o mundo e se espalhou com a facilidade de um bom brasileiro, de um brasileiro de verdade.
A Bossa nova surgiu em um momento de modernização do Brasil. Durante os anos 50, o Brasil teve um presidente chamado Juscelino Kubitschek, que junto a um arquiteto chamado Oscar Niemeyer planejou a cidade de Brasília, capital do Brasil, e com uma quantidade enorme de trabalhadores conseguiu que a cidade fosse construída em quatro anos. A ideia da nova capital era parte de um plano para incentivar a modernização do país. Esse plano teve efeito em vários pontos do Brasil e um deles, é claro, foi a música.
Bom, com esse ar de coisa nova, capital nova, a população saindo do campo e indo para as cidades grandes para viver uma vida nova, surge a Bossa nova. Ela foi criada nos anos 1950, a partir do famoso samba, com um leve toque do jazz americano, sendo ao mesmo tempo tradicional e moderna. Seu lugar de origem é a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, onde Tom Jobim e Vinicius de Moraes escreveram a canção “Chega de saudade”. Essa música foi cantada por Elizeth Cardoso e depois, também, por João Gilberto, mais ou menos no ano de 1958.
Durante a década de 1960 a bossa nova recebeu muitas críticas boas e também ruins. Foi nessa época, nesse tempo, que ela se consolidou, mais músicos começaram a tocar e escrever bossa nova. Ficou cada vez mais popular não só no Brasil como também no mundo. Foi também nos anos 1960 que os artistas de bossa nova se dividiram entre os que faziam letras, lyrics, mais leves e que falavam de coisas mais comuns da classe média, e os artistas que faziam letras que falavam de coisas mais puxadas, closer to, questões sociais, conectando então a Bossa nova ao samba, um tipo de samba que era chamado de Samba de raiz, o samba do morro. Por causa dessa conexão, alguns artistas que eram famosos só no meio do samba de raiz como Cartola e Nelson Cavaquinho, começaram a fazer sucesso com outros públicos também.
Bom, eu acho que o assunto ainda está um pouco estranho, talvez você não conheça os nomes que eu falei até agora, ou só ouviu falar de bossa nova mas não conhece nenhuma música desse estilo. Eu acho que você conhece sim. Quer ver como você conhece bossa nova? “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar…” Reconheceu, não é?
A música “Garota de Ipanema” foi escrita em 1962 por Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Um empresário chamado Oscar Ornstein pediu que os dois escrevessem uma música pra ele, Oscar, que usaria em um peça musical, a musical play, que se chamaria “Dirigível”. Porém, a peça, the play, nunca estreou, nunca foi lançada. O título original da música era “Menina que passa” e o Tom Jobim compôs a melodia no piano, e o Vinícius de Moraes escreveu a letra.
É interessante que a música foi escrita duas vezes, porque a primeira versão ficou muito melancólica, muito triste então, o Tom e o Vinícius acharam melhor mudar e foi assim que o Vinícius reescreveu a letra todinha, que é a letra que hoje todo mundo conhece e canta. A intenção da música é que ela seja a visão, the point of view, de um homem melancólico pensando sobre uma mulher muito bonita que passou por ele. O fato de a mulher bonita passar por ele e ir embora faz ele pensar sobre como as coisas da vida simplesmente passam, nada é eterno. É claro que ele também pensa na mulher e em como ela é mais que bonita, ela é linda. Se vocês quiserem, um dia eu faço um episódio ou quem sabe, uma live para falar sobre a letra desta música com calma, para entender direitinho a letra.
A mulher que inspirou essa música se chama Heloísa Pinheiro. Em 1962, quando a música foi escrita, ela tinha apenas 17 anos e ia a um bar-café para comprar cigarros para a mãe dela. Um dia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes viram essa moça, a Heloísa Pinheiro, passando pelo bar-café e se inspiraram nela para escrever a música. que foi lançada em uma boate, a club, chamada Au Bon Gourmet, onde Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto se apresentavam juntos e cantavam a Garota de Ipanema juntos. Mas ainda não havia, não existia uma gravação em estúdio da música. Porém, pouco tempo depois, Tom Jobim e João Gilberto foram convencidos a ir gravar a música em Nova Iorque, junto com o saxofonista Stan Getz. Foi durante uma sessão de gravação em Nova Iorque que surgiu a ideia de criar uma versão em inglês da Garota de Ipanema e foi aí que o compositor Norman Gimbel escreveu The girl from Ipanema.
Essa versão da música não é uma tradução. Na verdade o Norman passou por um processo bem complicado para fazer a versão em inglês da música, porque, ele começou com a tradução literal e a partir dela adaptou o texto para caber na melodia, to fit the melody. A tradução do Norman gerou, created, um pouco de tensão pois, ele achava que “Ipanema” não significava nada para os norte-americanos, mas Tom Jobim insistiu que tinha que manter a referência à praia do Rio de Janeiro. O Tom Jobim tem um livro, chamado O cancioneiro Jobim, e nesse livro ele conta sobre essas discussões e brigas com o Norman por causa da tradução.
A letra em inglês foi criticada porque, a letra original é ambígua e poética, enquanto a tradução ficou limitada, virou uma “mistura superficial de erótico e exótico”. É muito complicado traduzir as coisas, livros, músicas, etc e a poesia é uma das mais difíceis de traduzir, porque sempre tem algum significado que só faz sentido na língua original. Por isso, Tom Jobim disse que, apesar das brigas, ele acha que deu certo, que a tradução ficou boa o suficiente.
Existem outras versões, em outras línguas, da música Garota de Ipanema, por exemplo, a versão italiana chamada “La ragazza di Ipanema”, escrita por Giorgio Calabrese e gravada em 1965 por Caterina Valente. Apesar do nome “La ragazza di Ipanema” a versão italiana de Giorgio Calabrese fala de um “ragazzo di Ipanema”, um garoto de Ipanema que conquistava os corações das meninas. Atualmente, a versão italiana mais escutada é de Bruno Martino e esta versão fala sobre uma ragazza, uma garota, mesmo.
Tem também a versão em espanhol, “La chica de Ipanema”, que foi gravada por artistas como Gloria Lasso e Jarabe de Palo, tem a versão em finlandês chamada “Ipaneman Tyttö”, gravada por Laila Kinnunen e também tem a versão francesa, “La fille d’Ipanema”, composta por Eddy Marnay e interpretada, cantada por Jacqueline François.
Bem, essa é a música mais famosa do gênero Bossa nova que nós temos, mas o repertório é bem extenso, é bem grande. Nós temos muitas canções lindas e fortes dentro da Bossa nova por exemplo, Águas de março, música famosa de Tom Jobim, que primeiro ele gravou sozinho, em 1972, e depois gravou com a cantora Elis Regina, em 1974. Tom Jobim compôs a música “Águas de março” na mesma época em que estava trabalhando em um novo disco, um novo álbum que se chamaria “Matita Perê”. A Thereza Hermanny, que naquela época era esposa do Tom Jobim, disse que eles estavam no sítio da família, um sítio é como uma country house, onde Tom sentiu a inspiração para escrever essa música, por causa do cansaço causado pela gravação do disco. Enquanto ele estava no sítio, na country house, ele escreveu um rascunho, a rough draft, da música. Depois, quando ele voltou para a cidade do Rio de Janeiro, ele terminou de escrever “Águas de março”, o que demorou uma tarde.
Tom Jobim usou de inspiração, além do cansaço, duas outras fontes. Uma delas é o poema de Olavo Bilac, chamado “O caçador de esmeraldas” e a outra é um ponto cantado, que foi gravado por J. B. de Carvalho. O ponto cantado é uma cantiga, uma canção curta, usada em eventos culturais, como o Jongo, e eventos religiosos, como a Umbanda. Ambos de matriz africana, as origens são africanas.
Essa música também ganhou uma versão em inglês. Mas dessa vez, quem compôs a versão foi o Tom Jobim, em vez de um falante nativo de inglês, e o Tom conseguiu manter a estrutura e a metáfora originais. Essa versão em inglês foi usada em um anúncio da Coca-Cola nas Filipinas, na década de 1990. Na versão “Waters of March”, Tom Jobim evitou as palavras de origem latina pra poder traduzir o melhor possível, mas por causa disso, ela acabou ficando mais longa que a original, it ended up longer than the original. Ele também evitou falar de coisas muito específicas da cultura brasileira, como a "peroba do campo”. Ele também tentou deixar a música mais familiar para alguém do hemisfério norte, porque, quando aqui no hemisfério sul é verão, no hemisfério norte é inverno.
Outras canções muito relevantes da Bossa nova, que são bastante conhecidas ao redor do mundo, são:
Chega de saudade, do cantor João Gilberto;
Samba de uma nota só, do Tom Jobim, mas interpretada também pela cantora Nara Leão;
Coisa mais linda, do João Gilberto. Tem uma série da Netflix com o mesmo nome. O nome em inglês é “Most beautiful thing”;
Eu sei que vou te amar, do Vinícius de Moraes;
Desafinado, do Tom Jobim;
Além de muitas outras músicas lindíssimas, de cantores maravilhosos, que deixaram um legado muito gostoso, muito agradável de escutar. E por falar em legado, um dos legados da Bossa nova é o que conhecemos hoje em dia como “MPB” ou “Música Popular Brasileira”. A MPB na verdade é parte da Bossa nova e a Bossa nova é parte da MPB, então muitos artistas da Bossa nova também estão nas listas de artistas da MPB, como o Tom Jobim, de quem eu falei bastante hoje, Cartola, um cantor maravilhoso que canta a música “O mundo é um moinho” e eu confesso que é uma das minhas músicas preferidas, e a grande Elis Regina, que gravou “Águas de março” com o Tom Jobim, além de outras músicas como “Madalena” e “Como nossos pais”.
Tem um artista da MPB de quem eu quero falar hoje, o Toquinho. Ele era amigo dos artistas sobre quem eu já falei hoje e é o motivo do episódio de hoje se chamar “De Ipanema a Itapuã”. Itapoan é um distrito da cidade de Salvador, capital da Bahia. Ela fala sobre como é bom passar o tempo, descansar em Itapoan/Itapuã, ela fala sobre uma tarde preguiçosa, a lazy afternoon, na praia, algo típico das letras de bossa nova do início do movimento.
Essa música foi composta por Vinícius de Moraes e pelo Toquinho. Vinícius fez a letra, Toquinho “musicou”, deu melodia para ela. De acordo com o próprio Toquinho, o Vinícius ia dar a letra para outro compositor fazer a melodia, pois ainda não confiava na capacidade do Toquinho. Por isso, o Toquinho pegou a folha onde o Vinícius tinha escrito a letra da música e criou uma melodia sem o Vinícius saber. Quando ele terminou de compor a melodia, ele mostrou para o Vinícius de Moraes que adorou e começou a confiar mais no Toquinho.
Eu quis falar dessa música, mesmo que só um pouco, porque é a primeira música de MPB que eu me lembro de escutar na vida. Minha mãe tinha um CD do Toquinho e foi só quando eu escutei esse CD pela primeira vez que eu ouvi uma música sabendo que era uma Bossa nova, consciente que aquilo era Bossa nova. E eu gostei muito, me marcou bastante, teve um efeito muito forte sobre mim.
Mas para não falar só de passado, tenho alguns artistas novos da MPB, que eu quero indicar para vocês porque eu gosto muito:
O primeiro, na verdade a primeira… As primeiras, é Anavitória: é uma dupla de meninas chamadas Ana Clara e Vitória, daí o nome “Anavitória”. Uma das músicas delas que eu mais escuto é “Trevo”, que é uma gracinha, very cute;
Dois: Clarice Falcão: uma cantora e humorista, comedian, de Pernambuco, que escreve músicas muito divertidas como “Oitavo andar”. Escutem e se precisarem de ajuda, eu ajudo a traduzir.
Três: Tiago Iorc: um cantor brasiliense, ele é de Brasília, brasiliense, que compunha músicas em inglês no começo da carreira dele, como “Nothing but a song”. Hoje ele grava em português mesmo e a música que eu mais gosto dele é “Amei te ver”;
Tem muitos outros artistas muito bons da MPB, mas se eu fosse fazer uma lista, eu ficaria dias e dias falando os nomes. O Brasil é enorme e cheio de artistas talentosíssimos e eu estou feliz de poder compartilhar um pouco disso com você. A MPB e a Bossa nova são riquíssimas e todo mundo deveria conhecer e apreciar. Eu acho.
Então é isso, pessoal. Esse foi o nosso episódio de hoje de As paredes têm ouvidos. Me sigam nas redes sociais, @ParedesPodcast e não se esqueçam de visitar o site do podcast para acessar as transcrições dos episódios e para se inscrever para poder acessar os fóruns de discussão. Todos os links estão na descrição. Tenham uma ótima semana, um grande beijo e tchau-tchau.




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