Eu já te superei - o fenômeno da pisadinha (transcrição)
- 15 de mai. de 2021
- 7 min de leitura
Olá, tudo bem? Sejam muito bem-vindos ao As paredes têm ouvidos. Meu nome é Ana Rita, mas pode me chamar de Ana e este é o meu podcast, um espaço onde nós sabemos que sempre teremos com quem conversar.
Hoje é dia de cultura, meus amigos, e eu quero falar sobre um fenômeno brasileiro recente que tem feito muito sucesso. O nome desse fenômeno é “pisadinha”.
“Mas, Ana, esse nome não tem sentido nenhum! Pisadinha?” Vocês me perguntam. E eu respondo: sim, pisadinha é o nome do nosso fenômeno. É um estilo de música e dança do nordeste do Brasil e pode ser chamado de pisadinha ou piseiro. Vem comigo que hoje eu vou te apresentar a um dos estilos musicais de maior sucesso da atualidade.
De onde veio a pisadinha?
Bom, a pisadinha veio do forró, um estilo musical muito tradicional do nordeste brasileiro. Na pisadinha geralmente só tem um teclado em vez de uma banda completa, e uma voz, um cantor. Na década de 1990 o teclado era um instrumento popular entre os músicos de forró, os forrozeiros, como Frank Aguiar, um dos forrozeiros mais famosos do Brasil. O teclado é um instrumento muito versátil, isso quer dizer que apenas com um teclado nós conseguimos sons de guitarras, baterias, sanfonas, etc. Por isso ele ficou muito popular. O forró e a pisadinha são ritmos criados por pessoas pobres, eles foram inventados por pessoas pobres que não têm dinheiro pra ter vários instrumentos pra criar, montar uma banda completa.
O cantor baiano, Nelson Nascimento, começou a planejar e criar a pisadinha por volta do ano de 2002 e em 2004 ele gravou seu primeiro álbum. Ele gravou esse álbum na casa de um primo dele que tinha uma máquina para gravar CDs. Ele chamou esse álbum de “Rei da pizadinha” e em 2006 conseguiu gravar em um estúdio em São Paulo. Foi uma longa caminhada pra ele até que ele chegasse em São Paulo. Começou em 2002 e só deu em alguma coisa, só funcionou mesmo em 2006, muito tempo.
Em 2013, e aí é mais tempo ainda, o cantor sertanejo-universitário (esse é o nome do estilo musical, Sertanejo Universitário, em outro episódio falo mais sobre ele) Gusttavo Lima, que canta a música “Balada” e, uma música mais recente dele chama “Balada de buteco”, cantou em um show a música “Fazer beber” do Nelson Nascimento, junto com o jogador do Paris Saint-Germain, Neymar Jr. Depois desse show, as músicas de pisadinha começaram a fazer mais sucesso e aí outros cantores, que já eram famosos em 2013, como Wesley Safadão (cantor de músicas como “Camarote” e “Ele é ele, eu sou eu”) começaram a gravar músicas com o ritmo da pisadinha também. A pisadinha começou a ganhar o que a gente chama de notoriedade, ela começou a ganhar visão, ela passou a ser vista e ouvida por pessoas de uma área mais ampla, de uma área maior. Não tava mais só no nordeste, agora já começou a pisadinha no Brasil.
E como está a pisadinha atualmente?
Bom, atualmente o grupo mais famoso desse estilo musical é uma dupla chamada “Barões da pisadinha”. A dupla é formada por Rodrigo Barão e Felipe Barão, que não são irmãos, apesar do sobrenome igual, porque, Barão não é o sobrenome verdadeiro deles, na verdade é um nome que os fãs deram pra a dupla. O nome da dupla é Barões da pisadinha, então os fãs começaram a chamar os meninos né, o Felipe e o Rodrigo de Felipe Barão e Rodrigo Barão. Os barões da pisadinha ficaram famosos com uma música chamada “Tá rocheda”. Eu nunca tinha ouvido essa expressão na minha vida, mas é porque eu sou de São Paulo e essa expressão é usada no Nordeste. “Tá rocheda” significa “que legal”, “muito bom”, “very nice/awesome”. Como eu disse ela é muito comum no nordeste e ficou famosa por causa da música. Ela foi usada nessa música porque, a letra (the lyrics) fala sobre um relacionamento, um namoro que acabou porque a mulher traiu o parceiro dela, então ele usa a ironia pra falar com ela, como que para dizer “você me traiu? Tá rocheda! Tá ótimo, adorei, parabéns pra você por me trair”. Só que usando a ironia, ele não tá feliz, mas ele, ele usa essas palavras né, “tá rocheda, tá ótimo. Tá tudo bem”.
Depois de “Tá rocheda”, os Barões lançaram outras músicas que também fazem muito sucesso. Das músicas que eles lançaram depois, duas se destacam um pouco. Uma é “Basta você me ligar” e a outra é “Recairei”. Ambas ganharam versões em inglês, muito bem traduzidas e cantadas pela Kim Sola, procurem ela no youtube. Além disso, “Recairei”, a música “Recairei”, também ganhou uma versão para a propaganda do Shopee, a plataforma de compras. Passa toda hora na televisão aqui no Brasil.
Existem outros cantores e outras bandas famosas de pisadinha, como Biu do Piseiro, Vitor Fernandes e Zé Vaqueiro, esses dois são uma dupla, Elias Monkbel, etc. O Elias Monkbel, é pisadinha e brega, esses são os estilos dele. E ele está bastante famoso no Tik Tok, junto com o cantor Nattan, por sua versão de uma música da década de 1960, gravada pelo cantor Ronnie Von chamada “O carpinteiro”. Essa versão do Ronnie Von já era uma regravação da canção “If I were a carpenter” de Tim Hardin. Então o Elias Monkbel fez uma regravação de outra regravação e estourou na internet com a coreografia do Orlandinho, o rei do piseiro. É muito divertido o vídeo do Orlandinho dançando, eu recomendo que vocês aprendam a coreografia, assistam o vídeo, aprendam a coreografia e dancem também, porque é maravilhoso. Orlandinho do piseiro, rei do piseiro, maravilhoso, zero defeitos.
Cultura popular e o preconceito
Bom, nem tudo são flores, não é mesmo? Every rose has its thorn.
A pisadinha, apesar de hoje ser bastante popular, ela sofreu e sofre muito preconceito pelo Brasil. No meio musical ela é considerada simples demais, com pouca complexidade musical, porque usa apenas um teclado e a voz, como eu comentei agora há pouco. Ela é composta só em um teclado e aí tem um cantor. Então não tem vários instrumentos com várias frases musicais bem composta e complexas e num sei quê. “E num sei quê”. “Num sei o quê” é um et cetera do português. Então, não tem todo esse trabalho, digamos assim, é uma música mais simples. E na sociedade né, além do meio musical, além do cenário da música, na sociedade a pisadinha também sofre preconceito, ela é considerada de baixa qualidade e um dos motivos principais é o fato de ser música de pobre, poor people music. Isso aconteceu com o samba, aconteceu com o Blues, nos Estado Unidos, né no século XIX (dezenove), aconteceu com o funk da Anitta, que foi popularizado pela Anitta pelo mundo né, mas aqui no Brasil o funk já era bastante popular, um estilo de música bem, bastante ouvido por aqui. Mas sempre sofreu muito preconceito, tanto o funk quanto o samba, quando começaram.
O funk ainda sofre muito, mas o samba hoje em dia é bem aceito e o samba começou na periferia, né. A periferia são os lugares que não pertencem ao centro mais rico, a periferia é onde ficam as favelas. E essas músicas de periferia que a gente vê, como o samba, como o funk, como a pisadinha, são músicas que sofrem muito preconceito justamente por serem da favela, da periferia, do interior da Bahia ou do Ceará né, do sertão nordestino que a gente chama também, que é interior da Bahia, do Ceará, Pernambuco. As músicas do Norte também, músicas nortenhas, do Amazonas, do Pará sofrem e já sofreram muito por serem “músicas de pobre”. Estilos musicais populares, criados por grupos pobres e marginalizados, geralmente sofrem muito preconceito.
O Nelson Nascimento, aquele moço de quem eu falei agora há pouco, que é o considerado o criador da pisadinha, ele falou em uma entrevista no site UOL o seguinte: “Nosso público é o povão. A força mesmo é o nordestino, o pessoal mais simples que vai para São Paulo trabalhar” Quando ele diz “o povão” ele quer dizer a população mais simples, né, ele mesmo diz o pessoal mais simples, mais pobre, pessoas que não conseguem ter muita escolaridade, que não conseguiram estudar muito por falta de oportunidade. Por ser… Por morar muito longe da escola, por… E não ter condições de ir até uma escola. São pessoas que tiveram que trabalhar desde muito cedo, não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive por exemplo. E aí é essa parte da população que costuma gostar mais desse estilo de música, da pisadinha, do forró. E aí acaba, o estilo musical acaba sofrendo preconceito por isso, por agradar o povão. E aí essas pessoas que não né... de quem o Nelson Nascimento tava falando, elas, por não terem uma escolaridade muito alta, elas vêm pra São Paulo ou vão pra outros estra… pra outros estados mais ricos, com a intenção de conseguir um emprego para ganhar dinheiro do que… Mais dinheiro do que conseguiriam em suas terras natais, em suas cidades de origem. Então o fato dessas pessoas gostarem desse tipo de música, não que seja intencional, mas o fato de ser esse público que mais se agrada com esse tipo de música, leva uma parte da população a não gostar, a dizer que é música ruim, ou seja, preconceito.
Começou como uma brincadeira e hoje eu sou fã.
Bom… Eu comecei a ouvir Barões da pisadinha porque achei engraçado. Comecei a cantar as músicas pros meus amigos como uma brincadeira, porque as letras, the lyrics, são muito dramáticas, elas alam bastante de relacionamentos que acabam por causa de traição, ou sobre pessoas que não conseguem superar um relacionamento que terminou então, é sempre um tema bastante dramático, as pessoas que estão sofrendo por amor, “oh meu Deus, você me deixou”. E eu comecei a cantar e dançar esse estilo musical, a pisadinha, como uma piada. E no fim das contas né, eu acabei me apaixonando pelo estilo. Ai meu Deus, todo mundo se rende eventualmente.
Eu costumo chamar de farofa. Farofa é um prato, acompanhamento, que tem aqui no Brasil que pessoas mais simples consomem bastante porque, é um alimento bem barato, e aí eu falo que essas culturas bastante populares né, música popular, bem popular, eh literatura popular, livros populares, eu falo que é farofa. E eu amo farofa. Então, assim, sou muito farofeira, uma pessoa que come muita farofa.
Hoje, eu amo pisadinha e não vejo a hora dessa pandemia terminar pra eu poder sair com meus amigos para dançar um forrozinho ou então a tal da pisadinha. Ai ai… Nossa, meu coração até bate mais rápido de pensar no dia que eu vou poder dançar um forrozinho ou uma pisadinha como os meus amigos.
Então é isso, pessoal. Esse foi o nosso episódio de hoje de As paredes têm ouvidos. Visitem o site do podcast pra acessar as transcrições, os scripts, dos episódios, não se esqueçam de se cadastrar lá também, pra ter acesso aos fóruns de discussão. Sigam também o Twitter e o Instagram, @ParedesPodcast.
Tenham uma ótima semana, um grande beijo e tchau-tchau!




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